A seguir, peço licença para contar uma história que começa na Bahia, passa por Florianópolis, passou por Goiás e chegou até a cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul. São histórias de três mães, que nunca estiveram juntas, mas suas histórias se entrelaçam porque tiveram que lutar por suas filhas e a razão dessas lutas é uma planta proibida. Essas histórias são mais comuns do que imaginamos, porém elas não são contadas.
São três mães de gerações, culturas e histórias diferentes, porém, todas são atravessadas pelo proibicionismo e pela guerra às drogas. A proibição da maconha afeta negativamente a vida de muitas mães, seja porque elas perdem seus filhos na guerra às drogas, seja porque elas perdem as guardas de seus filhos por serem usuárias da maconha, seja porque elas precisam da maconha como remédio para a saúde de seus filhos. Portanto, as mães para proteger seus filhos, são as maiores protagonistas na luta pelo fim da guerra às drogas e pela legalização da maconha.
As histórias das mãeconheiras que vamos trazer neste texto, representam muitas mãeconheiras. Mas, pouca gente conhece a realidade das mãeconheiras. Pouca gente sabe que uma mãeconheira pode perder a guarda de seu filho só por postar conteúdo canábico na internet. Pouca gente sabe que a maconha pode ser o melhor remédio para a doença de seu filho. Mas, nós estamos aqui para descortinar essa fumaça e tragar verdades baseadas em fatos.
Entre os mares quentes de Salvador e os mares frios de Florianópolis:
Em 2015, após separar-se do pai de sua filha, em Salvador, Maíra Castanheiro começou seu blog: Diário de uma Mãeconheira no Facebook. Sem nenhuma pretensão política e ou literária, apenas como um exercício de Escrita de Si, Escrita Criativa Curativa.
À medida que o blog foi crescendo, as tretas também cresceram e se tornaram sérias. Maíra Castanheiro, professora de história, por conta de seu blog passou a não ser admitida nas escolas ou demitida.
Em abril de 2019, já morando em Floripa, Maíra Castanheiro recebeu uma intimação judicial: o pai da sua filha ganhou provisoriamente a guarda unilateral justificando que Maíra é mãeconheira. Ele usou os prints dos textos do blog Diário de uma Mãeconheira, publicados no Facebook. Na mesma semana, uma escola queria contratar Maíra como professora, porém colocou como condição que ela excluísse o blog do Facebook. Maíra excluiu o facebook. E começou a enfrentar uma luta judicial por sua filha.
Maíra Castanheiro só queria ser mãe e professora. Mas, só por ela fumar maconha, lhe tiraram tudo isso. Nunca foi feito um exame toxicológico na Maíra, nunca houve sequer uma conversa com psicóloga, assistente social, para conferir se Maíra era uma boa mãe e se sua filha estava bem e segura com o pai. Ela não viu o primeiro dente de sua filha cair. Até hoje não conseguiu se recuperar das dívidas que fez para pagar as advogadas. Se afundou em depressão. Acumulou dívidas, tristeza e tesão.
Maíra tinha contato com sua filha diariamente por telefone e skype e nas férias escolares da filha, passavam juntas. Desde abril de 2019 a dezembro de 2022, Maíra pagou honorários mensais às advogadas para lutar pela guarda da filha. Nunca houve uma audiência. No final do ano de 2022, por fim, Maíra conseguiu um acordo com o pai da sua filha que finalmente concordou que a filha fosse morar com a mãe. Depois de tanta luta, enfim, um pouco de glória.
A vida é um sopro de uma mulher
Em 2015, em Goiás, Lauryane Leão, é uma jovem que desde a infância sofria de ansiedade, fibromialgia e fortes enxaquecas, e através do uso da maconha ela descobriu uma melhor forma de viver com tais patologias, e sentia de compartilhar nas suas redes sociais todo o conhecimento que ela estava adquirindo sobre a maconha. Logo, ela se tornou uma criadora de conteúdo canábico.
Em 2016, um seguidor a procurou interessado em conhecê-la. Depois, eles se conheceram num bar no qual ela trabalhava. Se envolveram, namoraram e em 2018 tiveram uma filha. Mas, não é uma história de amor. O seguidor se tornou um perseguidor. Desde a gravidez que a relação foi tóxica e abusiva.
Acontece que Lauryane foi expulsa da casa dos pais aos 16 anos e desde muito nova ela teve que aprender a se virar sozinha e ser solzinha. E apesar de ter uma filha pequena e não ter rede de apoio, Lauryane decidiu se separar e sair de uma relação tóxica e abusiva com o pai da sua filha.
Em setembro de 2019, com sua filha com um pouco mais de um ano, Lauryane se separou do pai da sua filha. No dia seguinte, o genitor, não aceitando a separação, entrou com pedido de guarda da filha, usando prints e fotos das redes sociais de Lauryane, acusando-a de dependente química. Em outubro de 2019 Lauryane perdeu a guarda da filha.
Desesperada para não perder sua filha, Lauryane gastou mais de sete mil reais com a advogada. Lauryane lutou sozinha por sua filha. Em dois meses perdeu 17 quilos. Ela ficou um caco e sem forças para lutar. Foi neste momento, em 2019, que a vida lhe soprou. Lauryane juntou seus cacos e se levantou.
Lauryane aprendeu o ofício de fazer sopro de vidro, mais popularmente conhecido como piteiras de vidro. Logo, Lauryane se tornou a primeira mulher a fazer sopro de vidro no Brasil.
Entre outubro de 2019 a fevereiro de 2020, Lauryane tinha o direito de visitar sua filha somente aos sábados por 3 horas e vigiada por alguém da confiança do genitor. A filha, que ainda era muito pequena, ficou traumatizada ao ficar longe da mãe, pois às vezes não reconhecia a mãe.
Em fevereiro de 2020 rolou a primeira audiência. Depois de muita luta, Lauryane conseguiu um pouco de glória: guarda compartilhada. Porém, a luta não acabou. A filha não quer morar com o pai e quando ela está com o pai, na verdade quem lhe cuida são os avós paternos.
Lauryane se sente ameaçada e teme perder a guarda da sua filha. Mas, bravamente, ela segue sendo criadora de conteúdo canábico, usando a maconha para sua saúde física, mental, emocional e espiritual, fazendo as piteiras de vidro mais lindas deste país e assim paga suas contas e é dona de si.
Afinal, a primeira mulher a fazer sopro de vidro no Brasil, não foge à luta e faz seus corres para buscar sua glória.
Minha revolução eu faço no quintal
Em 2010, em Canoas, no Rio Grande do Sul, Liane Pereira estava plena aos seus 40 anos. Pedagoga, mãe de dois, e ocupava um bom cargo na prefeitura. Eis que a vida inesperadamente lhe trouxe uma terceira filha, a Carol, que mudou radicalmente, não só a vida da Liane, mas de muitas pessoas.
Carol nasceu com a síndrome de Dravet, uma doença rara, pouco conhecida e estudada. A síndrome de Dravet é uma epilepsia de difícil controle, tem traços de autismo e causa atrasos cognitivos. A doença causa muitas convulsões e não responde a remédios anticonvulsivos.
Por conta da doença de Carol, Liane deixou o cargo na prefeitura e começou sua jornada de luta por Carol. Liane pesquisava em vídeos no youtube, grupos de facebook, mas ainda assim, a informação era muito pouca.
Em 2014, numa das constantes internações de sua filha, Liane assistiu na televisão uma notícia sobre o filme Ilegal, que se tratava de mães que lutavam pelo direito de usar o canabidiol como remédio para seus filhos. Isso chamou atenção da Liane e ela prontamente assistiu o filme pelo seu celular no hospital. Após ver o filme, acendeu uma esperança em Liane de que aquele tal de canabidiol tão falado pudesse servir também para sua filha. Liane buscou uma das pessoas entrevistadas no filme Ilegal, no facebook e encontrou. Através desse contato, Liane conseguiu mais informações sobre o uso do canabidiol.
Em 2015, Liane conseguiu autorização da ANVISA para comprar canabidiol, porém os preços eram exorbitantes e ela não tinha condições de pagar. Mas, Liane não desistiu de lutar e procurou toda a grande mídia para contar sua história. A televisão RBS fez uma reportagem com Liane e uma telespectadora, muito tocada com sua história, lhe pagou seu primeiro tratamento. Um outro rapaz telespectador, também muito tocado pela história da Liane, criou uma página no facebook: Força Carol. Criaram uma vakinha online e por um tempo Liane conseguiu o tratamento com canabidiol para sua filha.
Quando Carol tomou a primeira gota de canabidiol, ela melhorou absurdamente. As convulsões diminuíram drasticamente.
Em 2017, Liane assistiu a uma reportagem no programa fantástico da rede globo de televisão, no qual uma mulher conseguiu o direito de cultivar a maconha e extrair o óleo, essa mulher se chamava Maria Aparecida, mais conhecida como Cidinha. Nesta reportagem, Liane tomou conhecimento que Cidinha estaria presente na Marcha da Maconha de São Paulo.
Liane resolveu ir junto com Carol e sua mãe, para São Paulo, para a Marcha da Maconha para conhecer Cidinha. Liane não tinha ideia do que era guerra às drogas, para ela canabidiol era uma coisa, maconha era outra e uma não tinha nada a ver com a outra.
Ao chegar na Marcha da Maconha, na Avenida Paulista, Liane com sua mãe idosa e sua filha usando uma cadeira de rodas, desde da pacata cidade de Canoas do Rio Grande do Sul, católicas, de repente, estavam ali, entre os maconheiros, marchando pela legalização da maconha.
A marcha da maconha abriu a mente e o coração de Liane. Ela se sentiu muito acolhida pelos maconheiros. Conseguiu realizar seu objetivo de conhecer Cidinha e trocaram telefone. Conheceu muita gente também e uma pessoa lhe deu uma seringa com 1ml de óleo de cannabis. Na maior inocência, Liane, voltou de São Paulo para o Rio Grande do Sul, portanto a seringa com óleo de cannabis na sua bolsa. Sem saber o risco da ilegalidade que estava cometendo.
Ao chegar em Canoas/RS, Liane conversou com a médica da sua filha e resolveram experimentar o óleo que, para suas surpresas, funcionou muito melhor do que o industrial.
Liane então percebeu que precisava lutar para ter o direito de plantar, cultivar a maconha e extrair o óleo do seu quintal. Junto com sua fiel advogada, Bianca, que diante dessa luta se tornou ativista e paciente canábica e hoje trabalha na SBEC, Liane lutou incansavelmente pelo direito de cultivar seu remédio.
Depois de 1 ano e 7 meses de luta, Liane tem seu dia de glória e consegue seu Habeas Corpus, que lhe dá direito a cultivar maconha no seu quintal. Um remédio que traz qualidade de vida para sua filha Carol, que há 3 anos não tem convulsões e desmamou de todos os remédios. A maconha também ajudou a mãe da Liane quando ela teve câncer. A maconha também ajuda a Liane com sua artrose. A maconha nunca fez mal a Liane, o que fez mal (e ainda faz) foi o preconceito das pessoas e principalmente, a polícia despreparada.
A luta de Liane não parou até porque só acaba quando termina. Liane se tornou uma grande ativista, referência e rede de apoio para muitas mães.
Maíra, Lauryane e Liane são mães, mãeconheiras, cada qual com sua jornada de luta, cada uma com sua onda que quando se junta é para sol mar. Elas seguem suas jornadas de lutas buscando os dias de glórias.
NEM TODA HEROÍNA USA CAPA, ALGUMAS USAM MACONHA!
Mãeconheiras de todo o mundo: uni-vas!Maíra Castanheiro é historiadora, escritora e tradutora. Autora do Diário de uma Mãeconheira desde 2015.
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